O signo lingüístico arbitrariedade / linearidade
Saussure define o signo como a união do sentido e
da imagem acústica. O que ele chama de “sentido” é a mesma coisa que conceito ou idéia,
isto é, a representação
mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos, representação
essa condicionada pela formação sociocultural que nos cerca desde o berço. Em
outras palavras, para Saussure, conceito é sinônimo de significado (plano das idéias),
algo como o lado espiritual da palavra, sua contraparte inteligível, em
oposição ao significante (plano da expressão), que é sua parte sensível. Por
outro lado, a imagem acústica “não é o som material, coisa puramente física,
mas a impressão psíquica
desse som” (CLG, p. 80). Melhor dizendo, a imagem acústica é o significante.
Com isso, temos que o signo lingüístico é “uma entidade psíquica de duas faces” (p. 80), semelhante a uma
moeda.
Mais tarde, Jakobson e a Escola
Fonológica de Praga irão estabelecer definitivamente a distinção entre som
material e imagem acústica. Ao primeiro chamaram de fone, objeto de estudo da
Fonética. À imagem acústica denominaram de fonema,
conceito amplamente aceito e consagrado pela Fonologia.
Os dois elementos – significante
e significado – constituem o signo “estão intimamente unidos e um reclama
o outro” (p. 80). São interdependentes e inseparáveis, pois sem significante
não há significado e sem significado não existe significante. Exemplificando,
diríamos que quando um falante de português recebe a impressão psíquica que lhe
é transmitida pela imagem acústica ou significante / kaza /, graças à qual se
manifesta fonicamente o signo casa,
essa imagem acústica, de imediato, evoca-lhe psiquicamente a idéia de abrigo,
de lugar para viver, estudar, fazer suas refeições, descansar, etc.
Figurativamente, diríamos que o falante associa o significante / kaza / ao significado domus (tomando-se o termo latino como
ponto de referência para o conceito).
Quanto ao princípio da arbitrariedade,
Saussure (p. 83) esclarece que arbitrário
... não deve dar a idéia de que o
significado dependa da livre escolha do que fala, [porque] não está ao alcance
do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num
grupo lingüístico; queremos dizer que o
significante é imotivado, isto é, arbitrário
em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na
realidade. (grifo nosso)
Desse modo, compreendemos por que
Saussure afirma que a ideia (ou conceito ou significado) de mar não tem nenhuma relação necessária e
“interior” com a sequência de sons, ou imagem acústica ou significante /mar/.
Em outras palavras, o significado mar poderia ser representado perfeitamente
por qualquer outro significante. E Saussure argumenta, para provar seu ponto de
vista, com as diferenças entre as línguas. Tanto assim que a ideia de mar é representada em inglês pelo
significante “sea” /si / e
em francês, por “mer” /mér/.
Um exemplo bastante
representativo da ausência de vínculo natural entre o significante e o
significado é o dos verbos depoentes latinos. Nestes, a forma é passiva,
entretanto, o sentido é ativo: sequor “sigo” (e não “sou seguido”), utor “uso” (e não “sou usado”). Nestes
signos, o grau de arbitrariedade é extremo, não havendo sequer coerência
morfossemântica entre o significante e o significado.
Na verdade, existem dois sentidos
para arbitrário:
a) o significante em relação ao significado:
livro, book, livre, Buch,
liber, biblion, etc. (significantes diferentes para um mesmo significado);
ingl. teacher /
professor port. professor
ingl. sheep
/ mutton port. carneiro
Apesar de haver postulado que o
signo lingüístico é, em sua origem, arbitrário, Saussure não deixa de
reconhecer a possibilidade de existência de certos graus de motivação entre
significante e significado. Em coerência com seu ponto de vista dicotômico,
propõe a existência de um “arbitrário absoluto” e de um “arbitrário relativo”.
Como exemplo de arbitrário absoluto, o mestre de Genebra cita os números dez e nove,
tomados individualmente, e nos quais a relação entre o significante e o significado
seria totalmente arbitrária, isto é, essa relação não é necessária, é
imotivada. Já na combinação de dez com nove para formar um terceiro signo, a
dezena dezenove, Saussure
acha que a arbitrariedade absoluta original dos dois numerais se apresenta
relativamente atenuada, dando lugar àquilo que ele classificou como
arbitrariedade relativa, pois do conhecimento da significação das partes
pode-se chegar à significação do todo.
O mesmo acontece no par pera/pereira, em que pera, enquanto palavra
primitiva, serviria como exemplo de arbitrário absoluto (signo imotivado). Por
sua vez, pereira, forma
derivada de pera, seria um
caso de arbitrário relativo (signo motivado), devido à relação sintagmática pera (morfema lexical) + -eira (morfema sufixal, com a noção de
“árvore”) e à relação paradigmática estabelecida a partir da associação de pereira a laranjeira, bananeira, etc., uma vez que é
conhecida a significação dos elementos formadores.
A respeito da linearidade, este é
um princípio que se aplica às unidades do plano da expressão (fonemas, sílabas,
palavras), por serem estas emitidas em ordem linear ou sucessiva na cadeia da
fala. Esse princípio é a base das relações sintagmáticas, assunto que
abordaremos mais adiante.
fonte: www.filologia.org.br// por: Castellar de Carvalho (UFRJ)